quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CANTARES ALENTEJANOS

CANTARES ALENTEJANOS

 

Eu sou devedor à terra; a terra me está devendo; a terra paga-me em vida; eu pago à terra morrendo”. Esta é uma das passagens do canto alentejano que revela a forma de sentir do povo da planície. Um povo que, apesar de muitas vezes ser forçado a sair para procurar melhores condições de vida, continua a preservar, seu amor pela terra. Para o fazer sentir e demonstrar, o povo usa a voz e canta a saudade, as alegrias e as tristezas. No fundo, são cenas simples do quotidiano que são retractadas na voz, no semblante carregado e no embalar.

A origem deste tipo de poesia cantada em que a voz é a único instrumento, ainda não está esclarecida. Há quem a atribua á escola de canto popular que os frades da Serra de Ossa fundaram, primeiro em Évora e depois em Serpa: e há simplesmente, quem considere que a origem dos cantos alentejanos está no tempo em que se faziam tarefas agrícolas na grande planície. A isto não é alheia a própria configuração da paisagem: aglomerados pequenos e distâncias grandes, ao longe das quais se ia cantando, até chegar ao campo de trabalho. Por outro lado, durante o resto do tempo, o homem alentejano vivia em comunidade. Uma ida até a taberna era sempre uma boa ocasião para conviver com os amigos. Isto passava-se antigamente e é o que acontece ainda hoje. A mulher, por outro lado, permanece em casa a fazer as lides domésticas. Este e um dos motivos que se aponta para que seja só o homem a dar a cara nos corais alentejanos. E não se pense que é só cantar e pronto. Se há coisa que um alentejano preza é o saber cantar como manda a regra. Para isso são sempre necessários três elementos: a primeira voz, que inicia o canto e a que se dá o nome de “ponto": a segunda voz, a que  seda o nome de “alto” e que é composta por duas pessoas que cantam uma oitava acima e o conjunto dos ‘baixos', que é composta por um grupo que pode ir de quinze a vinte e cinco elementos.    As modas alentejanas podem ser classificadas em dois grupos; as "modas de baile” que são cantadas na altura dos Santos Populares e Carnaval, e ao som das quais se chegaram a fazer bailes: e as 'modas terra de barro', assim denominadas porque tal como a terra de barro é difícil de trabalhar, também estas modas são difíceis de cantar. São as modas de que os grupos se orgulham e que fazem questão de cantar quando está alguém de outro grupo por perto. É que existe uma grande rivalidade entre os vários grupos de cantares. Mas dizem os envolvidos na matéria que é uma rivalidade sã, que passa pelo orgulho de cantar melhor do que os outros e que provavelmente, até tem sido um dos motivos pelo qual o canto alentejano ainda continua bem vivo.   

Como principais cantos alentejanos surgem-nos 'Ao romper da bela aurora’, ‘A ribeira do sol posto’ e o ‘Passarinho’, este último interpretado de formas diferentes por diversos grupos, o primeiro é um hino à vida e às suas coisas simples como o ciclo do pastor que se levanta quan­do o sol. O segundo está relacionado como mistério das coisas... e o cantar da cigarra durante o verão que vai marcando o compasso do trabalhar da charrua e todo o ciclo próprio das coi­sas que são filtradas pela sensibilidade do alentejano.
   Nesta grande planície feita de distâncias e mistério, de beleza e contrariedades, de partidas e saudade o rio Guadiana marca uma fronteira entre dois mundos do canto: na margem esquer­da canta-se de forma mais lenta e compassada e a rainha do canto e a localidade de Cuba; na margem direita canta-se deforma mais andada e ritmada e é Serpa a senhora das melodias.

    O traje típico do alentejano quando canta e o fato domingueiro; a camisa, o colete e as calças finas. Existe, no entanto, uma excepção, que é o caso do grupo etnográfico "ceifeiros de cuba’. Estes, tal como o próprio nome indica, vestem o fato de trabalho; calças, colete e camisa de fazenda grossa, pois como diz a expressão popular 'o que guarda o frio, guarda o calor.' Usam também os ceifões para proteger as pernas, os alforges, a foice, os canudos de cara para proteger os dedos durante a ceifa e a corna das azeitonas. Esta é a farda típica de trabalho que eles vestem sempre que a actuação é programada. No entanto sempre que o número de homens que se juntam na taberna é suficiente para lançar o mote e cantar uma modinha, eles não esperam para se fardar. É preciso, é que haja gente suficiente para tal, pois caso contrário, os outros não esperam para os mandar calar. Se estiverem presentes elementos de grupos diferentes, é sempre dada a prioridade ao grupo que tiver maior número de elementos presentes.
     Hoje já não e fácil angariar jovens para se unirem uns aos outros e cantarem as modas típicas da sua terra. Grande parte deles vão fugindo para o litoral ou para o estrangeiro em busca de melhores dias e os que ficam preferem dedicar o seu tempo livre à música popular portuguesa, acompanhada de cavaquinho ou bandolim. Enquanto isso, os mais velhos vão tentando preser­var o património que herdaram e que guardam com muito orgulho. E assim vão cantando até que a voz lhes doa.


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